Da faculdade de Medicina à Al-Qaeda: quem é Abu Mohammed al-Jolani, líder rebelde que derrubou Bashar al-Assad
- 09/12/2024
RFI
O líder islâmico do Hayat Tahrir al-Sham (HTS), que lidera a coalizão de rebeldes islâmicos que derrubou Bashar al-Assad em menos de duas semanas, esteve muito tempo associado à Al-Qaeda, mas se distanciou do grupo terrorista e promete uma transição sem violência na Síria. Muitos analistas questionam quais seriam suas verdadeiras motivações.
Pierre Fesnien, da RFI em Paris
Abu Mohammed al-Jolani exibe atualmente um rosto muito diferente do que tinha na época em que era líder do grupo Frente al-Nusra, ligado à Al-Qaeda. O chefe do Hayat Tahrir al-Sham (HTS) também trocou sua túnica muçulmana por um uniforme militar e até um terno, dependendo da ocasião.
As mudanças não param por aí: desde a ofensiva que levou à queda de Bashar al-Assad, al-Jolani pediu ainda para ser chamado pelo seu sobrenome de nascença, Ahmed Hussein al-Sharaa, e não mais por seu nome de guerra.
Em doze dias, o chefe do HTS, à frente da coalizão rebelde, derrubou o regime de Assad. Agora, ele pretende esquecer seu passado como jihadista ligado à Al-Qaeda e se tornar uma alternativa política confiável na Síria.
Em entrevista à rede americana CNN em 6 de dezembro, al-Jolani disse que o objetivo da revolução era derrubar o regime. "Temos o direito de utilizar todos os meios necessários para conseguir”, defendeu.
Após a tomada de Aleppo, em 27 de novembro, ele se esforçou para tranquilizar a população e afirmou que as diferentes religiões e todas as minorias seriam respeitadas.
"Ninguém tem o direito de excluir nenhum grupo. As diferentes comunidades coexistem nesta região há centenas de anos e ninguém tem o direito de eliminá-las. Deve haver uma estrutura legal que proteja e garanta os direitos de todos. Não um sistema que serve a uma única comunidade, como o que o regime de Assad fez", afirmou.
Família rica
O líder islâmico de 40 anos passou os primeiros anos de sua vida na Arábia Saudita, onde seu pai era engenheiro do setor de petróleo, antes de retornar à Síria. Ahmed al-Sharaa cresceu em Mazzé, um bairro rico de Damasco e chegou a estudar Medicina.
De acordo com o site Middle East Eye, foi após os ataques de 11 de setembro que "os primeiros sinais de jihadismo começaram a aparecer na vida de Jolani, e ele começou a participar de sermões e mesas redondas secretas nos subúrbios marginalizados de Damasco".
Fundador da Frente al-Nusra
Em entrevista à PBS Frontline em 2021, ele conta que sua radicalização ocorreu durante a segunda Intifada em 2000. "Eu tinha 17 ou 18 anos na época e comecei a pensar em como poderia cumprir meus deveres, defendendo um povo oprimido pelos ocupantes e invasores", explicou.
Durante a invasão americana do Iraque em 2003, ele foi lutar no país, vizinho da Síria, onde se juntou ao grupo Al-Qaeda de Abu Musab al-Zarqawi no Iraque antes de ser preso por cinco anos. Após o início da revolta contra Bashar al-Assad em 2011, ele retornou ao seu país natal para fundar a Frente al-Nusra, que se tornou HTS.
Em 2013, ele se recusou a ser reconhecido por Abu Bakr al-Baghdadi, o futuro líder do grupo Estado Islâmico, e preferiu se alinhar ao emir da Al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri. Foi em 2016 que a Frente al-Nusra cortou seus laços com a organização terrorista, uma decisão que al-Jolani dizia ter como objetivo "silenciar os pretextos apresentados pela comunidade internacional" para atingir o grupo, classificado como "terrorista" por Washington.
Em 2017, a al-Nusra passou a se chamar Hayat Tahrir al-Sham (HTS). Os EUA chegaram a oferecer uma recompensa de US$ 10 milhões pela cabeça de Al-Jolani.
Mas tudo isso é passado. Desde então, al-Jolani, ou al-Sharaa, defende a construção de uma nova Síria, que permitiria o retorno de todos os refugiados. "Abu Mohamed al-Jolani nega completamente a jihad global. Ele acredita, como outros neste grupo, que foi um erro e que muitos homens morreram por causa disso. Foi um projeto que não poderia ter sucesso em nenhum caso e que não tinha sentido", explica Wassim Nasr, jornalista do canal de tevê France 24 especializado na região.
Extremismo moderado?
Desde a captura de Aleppo, o HTS fez uma série de declarações para tranquilizar as comunidades drusas, cristãs e alauitas. Nas áreas que o grupo controlava antes da queda de Bashar al-Assad, foram criados vários serviços públicos. Além disso, uma rede de telefonia móvel foi instalada em Idlib e estendida a Aleppo.
"Eles são islâmicos, mas menos rigorosos do que o Talibã, por exemplo. As mulheres vão à escola, à universidade, as pessoas fumam na rua, você pode ouvir música nas lojas... Portanto, é rigoroso e conservador, mas não é de forma alguma a jihad da Al-Qaeda ou do Estado Islâmico. Não é de forma alguma o conservadorismo extremo do Talibã, é outra coisa", diz Wassim Nasr.
Após a fuga de Bashar al-Assad, o chefe do HTS pediu a seus combatentes que não se aproximassem das instituições que permanecem, segundo ele, sob o controle do primeiro-ministro, que disse estar pronto para cooperar com qualquer "nova liderança" escolhida pelo povo.
"O sucesso de uma transição reside precisamente em sua abordagem inclusiva. Al-Jolani tira sua força de sua experiência no norte, já que, em vez disso, nomeou um governo civil de tecnocratas e administradores para administrar a vida cotidiana em territórios controlados pelo HTS", explica.
"Este é um elemento positivo e ele poderia reproduzir esse padrão deixando alguns ministros, ou mesmo o atual chefe de governo, administrar os assuntos para esta fase de transição", diz Hasni Abidi, diretor do Centro de Estudos e Pesquisas sobre o Mundo Árabe e Mediterrâneo e professor da Universidade de Genebra.
Estratégia política
O fato é que al-Jolani governa a região de Idlib com mão de ferro desde 2017. Para muitos observadores, a figura de islâmico moderado continua sendo, antes de tudo, uma estratégia para o homem que sonha em se tornar um estadista.
"Tem sido a estratégia de al-Jolani por vários anos ser extremamente tolerante, extremamente moderado, especialmente no que diz respeito à mídia. Mas não devemos nos enganar", adverte Fabrice Balanche, professor da Universidade de Lyon 2 e autor de vários livros sobre o Oriente Médio.
"Ele é alguém que, quando tinha 20 anos, foi lutar no Iraque ao lado da Al-Qaeda. Ele estava na prisão de Abu Ghraib. Ele se distanciou da Al-Qaeda em 2016 por razões táticas, mas obviamente manteve sua ideologia. Ele impôs o totalitarismo islâmico em Idlib, eliminando fisicamente milhares de oponentes, sejam islâmicos seculares ou moderados como o grupo al-Sham. Portanto, não devemos ter muitas ilusões sobre o que pode acontecer nos meses seguintes à sua possível chegada ao poder", conclui o acadêmico.